Estados em Guerra, Máquinas em Combate: A Revolução da Inteligência Artificial na Ucrânia
- Gabriela de Freitas Lugli
- 18 de jun.
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Por Gabriela de Freitas Lugli
A relação entre guerra e formação estatal é uma das relações mais discutidas na história das ciências sociais. O renomado sociólogo e historiador Charles Tilly, afirmou que "as guerras fizeram o Estado e os Estados fizeram as guerras". Essa perspectiva destaca como os conflitos armados foram cruciais para o desenvolvimento das estruturas estatais, moldando instituições e capacidades administrativas. No contexto atual, a guerra na Ucrânia exemplifica essa dinâmica, onde a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, está redefinindo as estratégias militares e, consequentemente, a própria natureza do Estado.
A guerra na Ucrânia, iniciada em 2022, tem raízes profundas em questões geopolíticas e históricas. A aproximação da Ucrânia com o Ocidente, especialmente com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), foi vista pela Rússia como uma ameaça à sua esfera de influência (Mundo Educação). Além disso, a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e o apoio a movimentos separatistas no leste ucraniano contribuíram para a escalada das tensões. Em fevereiro de 2022, a Rússia lançou uma invasão em larga escala da Ucrânia, justificando-a como uma "operação militar especial" para desmilitarizar e "desnazificar" o país.
Em 1º de maio de 2025, um ataque de drones ucranianos atingiu um mercado na cidade de Oleshki, controlada pela Rússia, resultando na morte de pelo menos sete pessoas. Segundo o canal G1 (2025), [JA1] [SdA2] o ataque danificou edifícios residenciais de vários andares e incêndios se alastraram em alguns locais. No mesmo dia, reportado pela CNN Brasil (2025), drones russos foram enviados como resposta e atingiram a cidade portuária de Odessa, matando duas pessoas e ferindo outras quinze. Segundo o governador regional Oleh Kiper no aplicativo de mensagens Telegram, “O ataque inimigo danificou arranha-céus residenciais, casas particulares, um supermercado, uma escola e carros”. Esses incidentes destacam a crescente dependência de ambos os lados em operações com drones, que têm se tornado uma característica central do conflito.
A integração da Inteligência Artificial (IA) nos sistemas de drones tem sido um diferencial para a Ucrânia. Drones equipados com esse recurso demonstraram ser três a quatro vezes mais precisos do que os pilotados exclusivamente por humanos, com taxas de sucesso em ataques aumentando de 10-20% para cerca de 70-80% (SAPO-TEK, 2025). Esses drones semiautônomos são utilizados para navegação de aproximação final, melhorando significativamente a eficácia das missões.
Além disso, a IA vem transformando a estruturação das bases militares. Vem sendo inclusive utilizados para análise de dados em tempo real, permitindo decisões mais rápidas e precisas. Além disso, auxilia na logística, manutenção preditiva de equipamentos e na coordenação de tropas, otimizando recursos e aumentando a eficiência operacional.
A Ucrânia estabeleceu as Forças de Sistemas Não Tripulados (FSNT), a primeira divisão militar dedicada exclusivamente à guerra com drones e robôs militares. Essa força opera drones de combate, veículos terrestres não tripulados e sistemas autônomos em terra, mar e ar, sendo pioneira na formalização de uma estrutura militar voltada para sistemas não tripulados.
No entanto, essa evolução tecnológica também levanta sérias preocupações éticas e humanitárias. Em uma reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, a Cruz Vermelha Internacional alertou sobre os perigos dessa tecnologia, destacando que “decidir alvos em conflito é difícil para a IA”, pois a tecnologia ainda tem limitações para distinguir entre civis e soldados. Isso aumenta significativamente o risco de mortes de civis, especialmente em áreas densamente povoadas. Além disso, o uso de drones autônomos, por reduzir a intervenção direta de operadores humanos, dilui a responsabilidade moral e legal por erros cometidos em ataques — um fator que preocupa especialistas em direito internacional e direitos humanos, segundo um relatório disponibilizado pelo observatório político dos Estados Unidos.
A utilização de IA em sistemas de armas, como drones autônomos, tem acelerado o ritmo dos combates, segundo notícias da Westpoint. A capacidade de realizar ataques remotos com precisão reduz a necessidade de tropas no front, mas também aumenta a frequência e a intensidade dos confrontos. Além disso, a coleta massiva de dados por drones está sendo utilizada para treinar modelos de IA aprimorando ainda mais as capacidades ofensivas e defensivas.
O uso crescente de IA e sistemas autônomos em conflitos armados levanta questões éticas significativas. Embora a tecnologia ofereça vantagens táticas, há preocupações sobre a autonomia de sistemas letais e a necessidade de manter o controle humano sobre decisões críticas (HRW. ORG,2020). Especialistas enfatizam a importância de regulamentações internacionais para garantir que o uso dessas tecnologias esteja alinhado com os princípios do direito internacional humanitário.
A guerra na Ucrânia exemplifica como a tecnologia está redefinindo os conflitos modernos. O uso de drones e IA tem transformado estratégias militares, aumentando a letalidade e a velocidade dos combates. À medida que essas tecnologias continuam a evoluir, é essencial considerar as implicações éticas e buscar regulamentações que garantam o uso responsável em cenários de guerra (DIO, 2025).
Gabriela de Freitas Lugli é granduanda em Ciencias Econômicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Referências
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CARDOSO, Thiago. Como a Tecnologia, Especialmente as IAs, Estão Impactando e Mudando as Táticas das Guerras Modernas: O Caso da Guerra na Ucrânia Disponível em: https://www.dio.me/articles/como-a-tecnologia-especialmente-as-ias-estao-impactando-e-mudando-as-taticas-das-guerras-modernas-o-caso-da-guerra-na-ucrania. Acesso em: 01 de maio de 2025.
MARCOS, Marcela. Ataque ucraniano com drones deixa sete mortos em área controlada pela Rússia. Disponível em: https://cbn.globo.com/mundo/noticia/2025/05/01/ataque-ucraniano-com-drones-deixa-sete-mortos-em-area-controlada-pela-russia.ghtml.Acesso em: 01 de maio de 2025.
CNN Brasil. Ataque de drones russos causa grande explosão na Ucrânia. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/video-ataque-de-drones-russos-causa-grande-explosao-em-cidade-na-ucrania/. Acesso em: 01 de maio de 2025.
Redação G1. Ataque ucraniano com drones atinge mercado e deixa 7 mortos em área controlada pela Rússia. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2025/05/01/ataque-ucraniano-com-drones-atinge-mercado-em-area-controlada-pela-russia.ghtml. Acesso em: 01 de maio de 2025.
STAUFFER, Brian. Stopping Killer Robots, Country Positions on Banning Fully Autonomous Weapons and Retaining Human Control. Disponível em: https://www.hrw.org/report/2020/08/10/stopping-killer-robots/country-positions-banning-fully-autonomous-weapons-and. Acesso em: 01 de maio de 2025.
TEK SPO.Drones e inteligência artificial estão a transformar campo de batalha na Ucrânia. Disponível em: https://tek.sapo.pt/multimedia/artigos/drones-e-inteligencia-artificial-estao-a-transformar-campo-de-batalha-na-ucrania. Acesso em: 01 de maio de 2025.


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