Pablo Marçal: do incômodo ao medo no bojo do bolsonarismo
- Rodrigo Augusto Prando
- 2 de set. de 2024
- 5 min de leitura
O clássico Nicolau Maquiavel assevera, em “O Príncipe”, que sua “intenção [é] escrever coisas que sejam úteis a quem se interesse, [...] ir direto à verdade efetiva da coisa que à imaginação em torno dela”. Maquiavel, portanto, tem a força de apresentar a tese fundamental do realismo político: a política é o que ela é e não o que gostaríamos que ela fosse.
Assim, prezado leitores, vamos, panoramicamente, nos deter na figura política de Pablo Marçal, coach e empresário, que já embaralhou a disputa à prefeitura da cidade de São Paulo, bem como trouxe à tona, num primeiro momento, incômodo e, agora, medo no bojo do bolsonarismo. Assim, focando naquilo que é de interesse, a questão é: o que quer Marçal? A resposta, imediata e incompleta, é: ser eleito prefeito de São Paulo. O objetivo no curtíssimo prazo é, sem dúvida, ser eleito e, segundo o próprio Marçal, isso ocorrerá ainda no primeiro turno. De um certo desprezo por sua trajetória, imagem e ideias, Marçal já se encontra, segundo algumas pesquisas, num empate triplo, dentro da margem de erro, com Guilherme Boulos e Ricardo Nunes e, em outros institutos, já aparece, numericamente, na primeira colocação (em que pesem desconfianças acerca da veracidade da informação). Com isso, há um crescimento consistente de Marçal e queda de Nunes e de Boulos, ambos, segundo se esperava, os protagonistas da repetição da polarização, já que temos bolsonarismo e lulopetismo como as forças apoiadoras dos candidatos.
Marçal, hoje, apresenta-se numa situação mais confortável de candidato antissistema, contra o establishment, antipolítica e turbinado pelo algoritmos das redes sociais, onde ele é dotado de impressionante musculatura comunicacional. Em suas falas e debates nos quais participou, usa uma retórica não apenas antissistema, mas, também, conjuga o conhecimento de anos de coach, empresário e teologia da prosperidade. Ataca todos os candidatos por serem comunistas e ele como sendo o único representante da direita.
O fato, a verdade objetiva, é que Marçal traz medo no universo de Jair Bolsonaro. A retórica e o figurino de Marçal não apenas encaixaram na disputa à prefeitura, mas encanta os bolsonaristas em valores que lhes são caros e que, para muitos, já não estão tão próximos de Bolsonaro que além de derrotado em 2022 está inelegível. Neste sentido, a discussão de quem seriam os herdeiros do espólio político de Bolsonaro (Michele Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ratinho Júnior, Ronaldo Caiado, etc.) encontra, agora, um personagem que, ao que tudo indica, pode ser o que o eleitor de direita e da extrema-direita queriam e não conseguiram com Bolsonaro.
Obviamente, há muitas semelhanças entre ambos – Marçal e Bolsonaro – e, para além da superfície, elementos que os distinguem. Vamos a eles. Marçal é novo e apresenta disposição e vigor físico, Bolsonaro já tem mais idade e problemas recorrentes em sua saúde após a facada; Marçal é, ao mesmo tempo, ator e roteirista em suas redes sociais, tem conhecimento e domínio e Bolsonaro era excelente ator, mas o roteirista das suas redes foi seu filho, Carlos Bolsonaro e, depois, dezenas de profissionais; Marçal apresenta-se como empresário milionário, vindo de baixo e, não raro, afirma que todos, com ele na política, terão direito de ficar ricos e serão, segundo suas palavras, “abençoados” e Bolsonaro nunca empreendeu, sai do Exército e adentrou à política e, ainda, tem sua família toda envolvida nas distintas esferas do poder. Essas diferenças, contudo, não significam, como afirma Maquiavel, a verdade efetiva, mas são as imagens construídas e comunicadas.
Marçal, portanto, pode não apenas ocupar o espaço de Bolsonaro – já que o poder não fica órfão – e, não menos importante, trazer considerável percentual de bolsonaristas para seu projeto, até porque os dados indicam que número considerável de eleitores bolsonaristas não votarão em Nunes, candidato de Bolsonaro, e sim em Marçal. O cenário, assim, pode favorecer substancialmente Marçal e enfraquecendo o bolsonarismo original. Já até concedi entrevista que já usa o termo “marçalismo”, um bolsonarismo turbinado e mais conhecedor e preciso no uso dos algoritmos das redes sociais. Não espantaria - e isso traz pânico ao bolsonarismo originário – se Bolsonaro e sua família, junto com o PL e Valdemar Costa Neto fossem jogados na “vala” da velha político, do sistema e sejam superados por um Marçal ou outro líder hipertrofiado nos valores presentes neste campo político.
O trecho, a seguir, foi retirado de um excelente livro – “Os engenheiros do caos: como as fake news, as teoria da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar as eleições” - de Giuliano Da Empoli, publicado em 2019, no Brasil, pela Editora Vestígio:
“[...] O ponto de ruptura se aproxima rapidamente”. [...] Ainda mais porque liberar os animal spirits, as pulsões mais secretas e violentas do público, é relativamente fácil, enquanto seguir o caminho inverso é bem mais difícil. Trump, Salvini, Bolsonaro e os outros estão destinados, cedo ou tarde, a frustrar as demandas que geraram e a perder o consenso dos eleitores. Mas o estilo político que racistas, mentiras deliberadas e complôs, depois de ficado à margem do sistema durante décadas, já ocupa o centro nevrálgico. As novas gerações que observam hoje a política estão recebendo uma educação cívica feita de comportamentos e palavras de ordem que irão condicionar suas atitudes futuras. Uma vez os tabus quebrados, não é mais possível colar de novo: quando os líderes atuais saírem de moda, é pouco provável que os eleitores, acostumados às drogas fortes do nacional-populismo, peçam de novo a camomila dos partidos tradicionais. Sua demanda será por algo novo e talvez ainda mais forte”.
As criaturas liberadas pelo bolsonarismo podem devorar seus criadores. Em entrevista a Globo News, Marçal afirmou – ao ser questionado em relação aos recentes conflitos com os bolsonaristas - que a direita não está rachada e que ele chegou até onde chegou sem Bolsonaro, mas que respeita o ex-presidente. Disse desejar que, na direita, se tenham 1.000 Bolsonaros, 1.000 Pablos Marçais e 1.000 Nikolas Ferreiras. Foi enfático ao asseverar que sua exposição e força nas pesquisas de intenção de voto está naquilo que ele representa: princípio, valores e propósito. E, depois, concluiu a resposta ao questionamento dos jornalistas da seguinte maneira: “Eu não quero tomar nada de Bolsonaro, a liberdade não tem dono”.
Marçal lembra a criatura kriptoniana que, no filme “Batman vs. Superman: a origem da Justiça”, cada vez que é atacada fica mais forte. O fim está numa lança de kriptonita cravada no peito da criatura e que, na sequência, acaba matando Superman. A questão, aqui, é simples: numa democracia não se elimina inimigos e não há lanças alienígenas ou soluções mágicas. Suas redes sociais foram tiradas do ar por decisão judicial e a narrativa é de censura; mal foram derrubadas, já há milhares de seguidores em suas novas contas. Jornalistas buscam respostas racionais e desestabilizar Marçal e ele responde com evasivas, piadas e palavras chocantes. Tem dado certo.
A política existe para, entre outras atividades, resolver os conflitos por meio do diálogo, dentro das instituições e à luz da lei. Importante acompanhar essa trajetória de Marçal e seu estilo bolsonarista anabolizado e qual será a escolha do eleitor e a reação das instituições e dos demais atores políticos. Aguardemos.
Rodrigo Augusto Prando é pesquisador e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.


Comentários