Por uma Macroeconomia de Longo Prazo para o Brasil
- Claudia Satie Hamasaki e Raphael Bicudo
- 5 de out. de 2024
- 3 min de leitura
A macroeconomia só ganhou corpo enquanto disciplina de certa forma autônoma — separando-se da tradição marshalliana da microeconomia — após os escritos de John Maynard Keynes.
À sua época, Keynes, preocupado com o problema do desemprego em massa, tentou compreender a dinâmica dos agregados econômicos, além de como e em que medida seria possível intervir no funcionamento da economia com vistas a geração de emprego e renda. O caráter intervencionista, tanto pelo viés fiscal quanto monetário, do receituário keynesiano o separava do consenso liberal de sua época.
Dessa forma, sua atenção estava voltada para as crises de demanda efetiva, pois partia do pressuposto que o capitalismo é inerentemente instável e as crises, portanto, intrínsecas a esse modo de produção.
A partir da década de 1970, entretanto, o pensamento keynesiano, até então dominante, entra em declínio, abrindo espaço para a retomada da visão liberal na macroeconomia. Os economistas da chamada Escola de Chicago localizarão na ação governamental os problemas econômicos vivenciados na época, principalmente a estagflação.
A ação governamental agiria perturbando os preços, que são para esses economistas a principal informação fornecida pelo mercado já que refletem os custos de oportunidade reais (real no sentido de que é oposto ao “monetário”) sobre os quais os agentes tomam decisões — a estabilidade de preços era fundamental para esses economistas.
Nesse sentido, o mainstream se assenta, em primeiro lugar, sobre uma firme crença na ineficácia das políticas monetárias e fiscal no que diz respeito a geração de emprego e renda que é, na verdade, derivada de uma outra e mais profunda doutrina: a separação entre uma economia “monetária” e uma outra “real”. Portanto, admite que os agentes econômicos tomam decisões — decisões individuais que, em última instância, explicam todo o funcionamento da economia. Disso resulta, do ponto de vista fiscal, um receituário baseado na austeridade e, do ponto de vista monetário, a necessidade da manutenção de preços estáveis, ou seja, o controle da inflação.
A partir dessa fundamentação teórica (Monetaristas e Novos Clássicos), surge o chamado tripé macroeconômico – uma forma de fazer política econômica designando regras para a condução da política fiscal (metas de superávit primário), política monetária (modelo de metas de inflação, autonomia e independência do Banco Central) e câmbio flutuante. A crença contida nesse desenho de política econômica é de uma menor discricionaridade, contribuindo para a estabilidade de preços, dívida pública controlada – os dois pilares centrais para gerar credibilidade e estimular o investimento privado a liderar o crescimento econômico.
Desde de 1999, o Brasil vem adotando o tripé macroeconômico, com alguma flexibilidade em alguns momentos. Dessa forma, cabe indagar: essa forma de condução da política macroeconômica tem sido benéfica para a retomada do crescimento sustentado no Brasil? A mesma é compatível com políticas estruturais que possam minimizar os graves problemas sociais?
Ao longo das últimas quatro décadas, a economia brasileira registra um crescimento baixo e bastante irregular (2,3% a.a.), apresentando alguns ciclos curtos de crescimento mais positivo, logo interrompidos por desequilíbrios que estão além das questões conjunturais. Qualquer desvio da meta de inflação, por menor que seja, a taxa de juros aumenta e o argumento utilizado é o aquecimento da economia ou o descontrole fiscal.
Como a economia brasileira poderá viabilizar um aumento da capacidade produtiva com a taxa de investimento inviabilizada pelas altas taxas de juros? Como fazer política industrial, ciência e tecnologia, infraestrutura, saúde, educação etc, com políticas na maior parte das vezes contracionistas?
Um dos principais problemas que enfrentamos na área da economia é a síndrome do curto prazo, paramos de pensar o longo prazo, um projeto de país. Faz-se necessária a definição de prioridades para o curto, médio e longo prazos, a partir de um esforço de planejamento democrático, capaz de se enraizar no território, promovendo diversificação produtiva, inclusão social e sustentabilidade ambiental.
O desenvolvimento não se restringe à política econômica e ao curto prazo. Envolve uma dimensão social, política, cultural, uma ação que se volta sobre o futuro, combinando o desejável com aquilo que é viável e exequível. Não nos esqueçamos: desenvolvimento com ampliação da democracia e redução das desigualdades – este é o desafio de qualquer governo, da sociedade organizada e das próximas gerações.
Por Claudia Satie Hamasaki e Raphael Bicudo, professores e pesquisadores na Universidade Presbiteriana Mackenzie.


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