Programa Bolsa-Família (PBF) e as Apostas Digitais
- Claudia Satie Hamasaki e Raphael Bicudo
- 5 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Segundo o Banco Central, com base em divulgação na última semana de agosto de 2024, os beneficiários do Bolsa Família gastaram, apenas no mês de agosto, mais de R$ 3 bilhões com apostas digitais, as tais BETS ou plataformas de aposta digital. Considerando-se que esse número esteja correto, isso assombrou comentaristas por se somar aos 44% da população brasileira que é de inadimplentes, segundo o Mapa de Inadimplência do Serasa, de julho de 2024. A partir daí, tem crescido o debate sobre as implicações dessa relação entre as bets e os apostadores mais pobres e que recebem o PBF.
Dentre várias vertentes dessa discussão, está a de que não é admissível que quem receba uma transferência de renda que para alimentação faça uso dos recursos com as bets, e que isso deveria ser proibido pela gestão do PBF. E aqui fazemos algumas ponderações sobre este debate.
O PBF não é um programa de transferência de renda para ser usado exclusivamente com alimentação. Esse era o objetivo de um dos programas que foi incorporado ao PBF, que era o Fome Zero. O PBF é um programa de transferência de renda que integrou outras políticas públicas ao então Bolsa-Escola, que se somou com o Fome-Zero, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, ticket leite, ticket gás. Tem por objetivo garantir às famílias de baixa renda (aquelas com até R$ 218,00 por pessoa por mês) uma renda condicionada ao acompanhamento da saúde da mãe desde a gestação, atualização do calendário de vacinação e à frequência à escola de crianças e adolescentes até os 18 anos incompletos. Portanto, não se trata de uma transferência exclusiva para alimentação, mas sim de inclusão socioeconômica e acesso a direitos básicos, como educação, saúde, assistência social, e à cidadania. Quando do desenho do PBF, a decisão foi por transferir um valor em Reais que respeitasse as características e o tamanho das famílias, ao invés de uma cesta de bens e mercadorias, respeitando a liberdade de escolha das famílias em decidir como, onde e o que pretendem fazer ou adquirir com o adicional da renda.
No atual debate sobre os bilhões de reais dos beneficiários do PBF usados para as apostas digitais, o problema não parece estar na liberdade para o uso dos recursos, que respeita a estrutura de preferências e necessidades das famílias beneficiadas, benefício recebido por mais de 20 milhões de famílias, que consomem cerca e R$ 14 bilhões por mês do governo federal. O problema está na ilegalidade, na irregularidade, na não-regulamentação e na forma como atuam as plataformas de aposta digital (que são jogos de azar) na economia brasileira. O problema está no que atrai o apostador, na facilidade em acessar as plataformas, nas promessas de ganho de fácil e o tipo de publicidade que se dá às bets, sem qualquer regulação.
Logo, a solução não parece estar em proibir o uso dos recursos do PBF com essa ou aquela atividade; não parece estar na imposição de condição de uso da renda transferida às famílias. Uma imposição de como a renda do PBF deveria ser usada gera um elevado custo de monitoramento, pode gerar redução do bem-estar dos indivíduos, tolhendo o direito de escolha dos beneficiários. A solução passa obrigatoriamente pela regulação do que foi liberado ainda em 2018, mas desde então sem qualquer tipo de regramento ou regulamentação, que levou ao desvio de dinheiro e a enriquecimento duvidoso.
Por Claudia Satie Hamasaki e Raphael Bicudo, professores e pesquisadores na Universidade Presbiteriana Mackenzie.


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