Property-Owning Democracy: Uma Crítica Liberal ao Capitalismo
- Alexandre André Conchon
- 31 de jul.
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Por Alexandre André Conchon
"Todos os valores sociais — liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases do respeito próprio — devem ser distribuídos igualmente, a menos que uma distribuição desigual de qualquer um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos." - John Rawls
Em sua mais famosa obra Uma Teoria da Justiça, John Rawls, um dos maiores nomes da filosofia política e do liberalismo moderno, conclui que seus princípios de justiça seriam atendidos apenas em dois modelos econômicos: 1. Socialismo Liberal e 2. Democracia dos cidadãos-proprietários. Apesar de semelhantes, esses dois sistemas apresentam diferenças substantivas, embora compartilhem o objetivo de oferecer uma alternativa ao capitalismo.
Rawls coloca a democracia de proprietários (property-owning democracy) acima de quatro modelos institucionais alternativos: capitalismo laissez-faire, capitalismo de bem-estar social, socialismo estatal com economia centralmente planejada e socialismo liberal. Essa escolha é determinada de acordo com os dois princípios de justiça apresentados em Uma Teoria da Justiça (1971): 1. estabelece que cada pessoa tem direito a liberdades básicas iguais; 2. exige que as desigualdades só sejam aceitáveis quando todos tiverem igualdade de oportunidades e quando tais desigualdades estiverem organizadas de modo a trazer o “maior benefício possível aos menos favorecidos”.
Modelos Econômicos
1. Capitalismo de bem-estar
Segundo a crítica inspirada em Rawls, o modelo de capitalismo do bem-estar social garante apenas um mínimo social e realiza a redistribuição de renda por meio de políticas assistenciais, sem intervir de forma decisiva na estrutura do mercado ou na distribuição dos recursos produtivos. Como consequência, permite-se que grandes desigualdades na propriedade de bens reais – ativos produtivos e recursos naturais – se consolidem, de modo que “o controle da economia e de grande parte da vida política fica concentrado em poucas mãos” (RAWLS, 2001, p. 138). Essa configuração acaba rejeitando “o valor justo das liberdades políticas”, a “igualdade de oportunidades” e “um princípio de reciprocidade para regular as desigualdades econômicas e sociais”.
Para os defensores da democracia de proprietários, esse modelo alternativo busca justamente evitar que o sistema social produza classes rigidamente estratificadas, com um grupo desmoralizado e dependente da assistência estatal na base da sociedade. Embora o capitalismo do bem-estar demonstre alguma preocupação com a igualdade de oportunidades, ele não cumpre os ideais de cooperação em pé de igualdade, pois permite a concentração de riqueza e de recursos produtivos em uma minoria de elite. Assim, a mera provisão de um mínimo social não resolve os efeitos da sobreposição de riqueza, influência política e poder, reforçando barreiras estruturais que perpetuam a exclusão e limitam as oportunidades econômicas para os menos favorecidos.
2. Capitalismo laissez-faire
Rawls critica o laissez-faire porque ele concentra riqueza e poder em poucos, distorce as oportunidades por meio de privilégios herdados, não organiza as desigualdades para beneficiar os mais pobres e oferece apenas liberdades formais, que os desfavorecidos não conseguem exercer plenamente.
3. Socialismo estatal
Rawls critica o socialismo estatal por concentrar excessivamente o poder político e econômico nas mãos do Estado, o que pode levar a regimes autoritários e opressivos. Ele também destaca que, nesses sistemas, as liberdades básicas — como a liberdade de expressão, associação e propriedade pessoal — tendem a ser restringidas. Além disso, a ausência de mercados descentralizados reduz os incentivos à inovação e limita a autonomia dos indivíduos para planejar suas vidas. Embora o socialismo estatal busque promover uma maior igualdade material, Rawls ressalta que isso costuma ocorrer às custas das liberdades fundamentais, que ele considera prioritárias.
4. Socialismo liberal
Nesse modelo, o Estado controla a economia de forma geral, mas as empresas geridas pelos trabalhadores competem em um mercado rigidamente monitorado e ajustado. Trata-se de uma tentativa de aproveitar as eficiências alocativas dos mercados e do mecanismo de preços dentro de um sistema socialista que democratiza as principais decisões de investimento e impede a acumulação privada de riqueza significativa. Rawls observou, nos Estados socialistas existentes no século XX, uma intolerável ausência de liberdade política. Por isso, ele insistia que um socialismo justo seria liberal e deveria, em grande medida, basear-se nos mercados em vez do planejamento centralizado.
5. Democracia de proprietários
Uma democracia de proprietários (POD) é um sistema econômico no qual os ativos produtivos e o capital — não apenas a renda — são distribuídos de forma ampla e justa entre a população, evitando que uma elite concentre riqueza, poder e oportunidades. Nessa estrutura, a propriedade do capital (como ações, empresas e imóveis) é amplamente distribuída, impedindo a formação de uma classe capitalista dominante. A POD busca garantir uma igualdade real de oportunidades, combatendo desigualdades estruturais de origem e contexto social. Investimentos em educação e saúde públicas de qualidade são essenciais para criar um campo de jogo mais justo. Os mercados são regulados para garantir eficiência, mas com limites que impedem abusos e concentrações de poder. Diferente de sistemas focados apenas na redistribuição, a POD prioriza a pré-distribuição, ou seja, a construção de instituições que evitem a desigualdade desde o início, em vez de corrigi-la depois.
Seus princípios de justiça, segundo o próprio Rawls, são mais bem realizados por um sistema de democracia de proprietários. Isso porque a dispersão da riqueza, da renda e da propriedade garante liberdades básicas mais seguras e um nível relativamente comparável de poder político e econômico para todos. A igualdade equitativa de oportunidades assegura que a posse de riqueza não determine a posição social nem restrinja o acesso a educação, saúde, emprego e moradia. Por fim, a redistribuição da riqueza e da propriedade produtiva satisfaz o princípio da diferença, garantindo uma distribuição equitativa dos bens sociais primários e beneficiando os mais desfavorecidos. É nesse contexto que a democracia de proprietários encontra sua importância.
Conclusão
A análise crítica de John Rawls sobre os diferentes modelos econômicos revela a complexidade de se buscar um sistema justo que combine liberdade, igualdade e eficiência. Ao posicionar a democracia de proprietários como a alternativa mais compatível com seus princípios de justiça, Rawls destaca a necessidade de uma distribuição ampla e equitativa não apenas da renda, mas dos próprios ativos produtivos. Diferentemente do capitalismo de bem-estar, que se limita a prover um mínimo social sem alterar as estruturas que perpetuam a concentração de riqueza; do capitalismo laissez-faire, que permite desigualdades exacerbadas e privilégios herdados; e do socialismo estatal, que tende à concentração autoritária do poder e à restrição das liberdades básicas, a democracia de proprietários propõe uma mudança institucional profunda para garantir igualdade real de oportunidades e participação política.
Nesse sentido, a proposta rawlsiana defende uma pré-distribuição efetiva, que atua preventivamente para evitar desigualdades estruturais, valorizando o investimento em educação, saúde e a regulação do mercado, buscando um equilíbrio entre eficiência econômica e justiça social. A democracia de proprietários visa construir uma sociedade menos estratificada e mais solidária, onde o acesso aos recursos produtivos e o poder político não estejam concentrados em uma minoria, mas distribuídos de forma a beneficiar amplamente a população, especialmente os menos favorecidos. Trata-se, portanto, de uma visão liberal crítica ao capitalismo, que propõe uma reformulação institucional capaz de promover uma justiça social mais efetiva e duradoura.
Alexandre André Conchon é graduando em Ciências Econômicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie


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