Conjecturas sobre a evolução histórica do liberalismo
- Eduardo de Almeida Paiva
- 6 de fev.
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Por Eduardo de Almeida Paiva
O liberalismo econômico consiste em uma abordagem filosófica que frequentemente obtém, a partir da análise da interação entre indivíduos, resultados da interação social que limitam o escopo da ação do Estado em certos contextos. Excluem-se possibilidades de atuação estatal pois, tendo em mente a interação espontânea entre indivíduos, a intervenção estatal possui resultados não-esperados ou opostos aos pretendidos. Conforme Bastiat (2010, p. 1):
"Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los."
Mesmo em materiais direcionados ao ensino de economia, encontram-se perspectivas similares. Em Mankiw (2016, p. 161, tradução nossa), discutem-se os efeitos de uma política de restrição de importações, a qual, por mais que aparente aumentar as exportações líquidas, tem um efeito neutro sobre elas no equilíbrio:
"Considere o que aconteceria se o governo proibisse a importação de carros do exterior. Dada qualquer taxa de câmbio real, o valor das importações cairia, o que aumentaria as exportações líquidas [efeito imediato]. [...] por mais que a curva de exportações líquidas mude, o nível de equilíbrio das exportações líquidas permanece o mesmo [efeito posterior] [...] tendo em mente que um déficit comercial reflete um excesso de importações em relação às exportações, imaginar-se-ia que reduzir importações [...] reduziria o déficit comercial."
Além de seus comentários relacionados ao funcionamento da economia e da sociedade, há um ponto fundamental do pensamento liberal que antecede tais preocupações: o liberalismo é uma tradição de pensamento que enfatiza o problema ético presente no uso sistemático da força pelo Estado, decorrente de sua ênfase nos direitos individuais. Conforme Friedman (1985, p. 29):
"Para o liberal, os meios apropriados são a discussão livre e a cooperação voluntária, o que implica em considerar inadequada qualquer forma de coerção [...] Desse ponto de vista, o papel do mercado é de permitir unanimidade sem conformidade e ser um sistema de efetiva representação proporcional. De outro lado, o aspecto característico da ação através de canais explicitamente políticos é o de tender a exigir ou reforçar uma conformidade substancial."
Se o objetivo da política social não é apenas maximizar o bem-estar social, como também respeitar as vontades individuais dos membros da sociedade, é natural tomar como ponto de partida ideológico o liberalismo, e somente abandoná-lo se seus defeitos dessa abordagem são provados conclusivamente. Esclarece-se, desta forma, a importância do liberalismo no debate sobre política social e econômica.
Dentre as discussões sobre o liberalismo, ressalta-se a discussão relacionada às diferenças e similaridades existentes entre o liberalismo clássico e moderno. Por meio dessa comparação, nota-se a presença ou ausência de continuidade na tradição liberal moderna, em relação à tradição clássica. Partindo disso, surgem perspectivas relacionadas ao estudo dos determinantes históricos de tal fenômeno, os quais enriqueceriam o entendimento relacionado a evolução histórica do liberalismo. Assim sendo, o estudo dessa discussão é fundamentado sobre a possibilidade de enriquecimento do entendimento acerca do liberalismo moderno.
Tendo em mente a quantidade de escolas presentes no liberalismo moderno, assim como a multiplicidade de aplicações do liberalismo às questões sociais, procura-se analisar os textos econômicos de autores da escola de Chicago, com o intuito de elucidar a presença ou ausência de continuidade no pensamento liberal dessa tradição. Ademais, para manter certa concisão, restringe-se a discussão do presente texto ao crescimento econômico.
Indo ao estudo dos economistas clássicos, é possível observar tendências no pensamento do conjunto de autores em questão. A importância dos direitos de propriedade é um fator comum na obra dos autores clássicos. Say (1983, p. 82) reconhece a importância da apropriação exclusiva de fatores para a produção, afirmando que “os agentes naturais suscetíveis de apropriação [...] produziriam bem menos se um proprietário não estivesse seguro de recolher seu fruto com exclusividade e se a elas não pudesse acrescentar com segurança valores capitais que aumentam singularmente seus produtos”.
Em Mill (2009), Mill explica os elementos que caracterizam o progresso econômico, sendo eles: maior domínio do homem sobre a natureza, que ocorre a partir do avanço do conhecimento técnico e científico (caracterizado, particularmente, pelo uso de máquinas); contínuo aumento na segurança da pessoa e da propriedade; uma melhoria nas capacidades de negócios das massas em geral. Quanto ao segundo, ressalta-se que, nas palavras de Mill (2009, p. 549): “A indústria e a frugalidade não podem existir onde não há uma probabilidade preponderante que aqueles que trabalham e poupam serão permitidos de usufruir [dos frutos de seu trabalho e de sua poupança]”.
Posteriormente, ao discorrer brevemente sobre as causas da prosperidade humana, em resposta à Adam Smith, Say (1983, p. 80) afirma que:
"Smith dedicou grandes esforços para explicar a abundância dos produtos de que usufruem os povos civilizados [...]. Smith procurou na divisão de trabalho a origem dessa abundância. Não há dúvida que a separação das ocupações [...] aumenta muito a força produtiva do trabalho, mas ela é insuficiente para explicar esse fenômeno. Este não apresenta nada de surpreendente quando se considera o poder dos agentes naturais que a civilização e a indústria fazem trabalhar em nosso benefício."
Ao definir os agentes naturais num sentido amplo, que “abrange não apenas os corpos inanimados cuja ação trabalha para criar valores, mas também as leis do mundo físico” (SAY, 1983, p. 79), Say efetivamente relaciona o desenvolvimento humano ao avanço do conhecimento científico e à inteligência humana, assim como o faz Mill (2009).
Há paralelos evidentes entre o liberalismo moderno e as perspectivas elucidadas anteriormente. Conforme Barro (1996, p. 4. tradução nossa), analisando os determinantes do crescimento, conclui-se que:
"Se um país pobre mantém políticas governamentais satisfatórias e acumula um nível razoável de capital humano, então ele apresenta uma tendencia de convergência para os países mais ricos. [...] Porém, uma razão que explica o porquê de boa parte dos países pobres se manterem pobres é que seus governos distorcem mercados de forma ampla e falham em manter direitos de propriedade."
O maior controle do homem sobre a natureza é um tema consistente na obra dos autores clássicos. Barro (1996) menciona o nível de capital humano como um fator importante para explicar o crescimento econômico, sendo esse conceito relacionado ao domínio da natureza pelo ser humano, em vista de sua relação com o conhecimento técnico e científico. Ademais, Barro (1996) também menciona a manutenção de direitos de propriedade como um fator importante para explicar a falta de convergência de boa parte dos países pobres. Tal perspectiva é consonante com os textos de Mill e Say anteriormente elucidados.
Ademais, conforme Say (1983, p. 87): “Convém observar que os conhecimentos do cientista [...] circulam com grande facilidade de uma nação para as outras. [...] Por conseguinte, uma nação em que as ciências estão poucos cultivadas, poderia [...] desenvolver bastante sua indústria aproveitando-se dos ensinamentos vindos de outros lugares”. Tal perspectiva é reiterada por Parente e Prescott (2000, p. 1, tradução nossa):
"Nossa perspectiva é que diferenças de renda entre países são as consequências de diferenças no conhecimento usado por sociedades na produção de bens e serviços. [...] essas diferenças são o resultado de políticas de países que resultam em restrições às práticas de trabalho e à aplicação de melhores métodos de produção no nível da firma."
Em suma, os autores clássicos, assim como os modernos, enfatizam direitos de propriedade e conhecimento técnico como fundamentais para o desenvolvimento de uma economia. Uma nação que enfrenta baixos níveis de conhecimento científico, conforme ambas as tradições, conseguiria progredir por meio da importação de tais conhecimentos de outras nações. Elucida-se, desta forma, que o liberalismo clássico e o moderno apresentam similaridades quanto à suas considerações sobre o crescimento econômico.
Eduardo de Almeida Paiva é Economista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRO, Robert J. Democracy and Growth. In: ______. Getting It Right: Markets and Choices in a Free Society. Cambridge: The MIT Press, 1996, p. 1-12
BASTIAT, F. O que se vê e o que não se vê. In: ______. Frederick Bastiat. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2010, p. 19.
FRIEDMAN, Milton. Papel do Governo numa Sociedade Livre. In: ______. Capítalismo e Liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 29-39.
MANKIW, Gregory N. The Open Economy. In: ______. Macroeconomics. Nova Iorque: Worth Publishers, 2015, p. 139-168.
MILL, John S. Influence Of The Progress Of Industry And Population On Values And Prices. In: ______. Principles of Political Economy. Urbana: Project Gutenberg, 2009, p. 547-559.
PARENTE, Stephan L.; PRESCOTT, Edward C. Introduction. In: ______. Barriers to riches. Cambridge: The MIT Press, 2000, p. 1-10.
SAY, Jean B. Os Agentes Naturais que Servem para a Produção das Riquezas e, em particular, dos Bens Fundiários. In: ______. Tratado de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 79-82.
______. Operações comuns a Todas as Indústrias. In: ______. Tratado de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 85-90.


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