O Anti-imperialismo do Livre Comércio
- Alexandre André Conchon
- 12 de jun.
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Por Alexandre Conchon
No livro Pax Economica (2024), Marc-William Palen sistematiza o argumento histórico de que o livre-comércio teve origem em um contexto radical. Diversas figuras de diferentes correntes ideológicas, especialmente aquelas associadas à esquerda, defendiam o livre-comércio não apenas como uma ferramenta voltada à produtividade e ao mercado, mas como um instrumento genuinamente progressista, orientado à promoção da integração, cooperação e paz globais.
Para pensadores como Richard Cobden e John Hobson, o livre-comércio representava uma alternativa ao nacionalismo econômico e ao protecionismo inerentes ao imperialismo. Cobden, expoente do liberalismo manchesteriano, via o comércio livre não apenas como uma política de eficiência econômica, mas como um projeto moral e pacifista, capaz de promover a cooperação internacional e evitar conflitos entre nações. Em sua visão, o protecionismo alimentava rivalidades e guerras, enquanto a interdependência econômica incentivava a paz. Complementarmente, Hobson — economista e representante do Novo Liberalismo britânico —, em sua obra clássica Imperialism (1902), argumentava que o imperialismo era impulsionado pela superacumulação de capital nas economias centrais, que buscavam novos mercados e oportunidades de investimento em colônias. Para ele, o protecionismo e o nacionalismo econômico serviam como justificativas ideológicas das elites para a expansão imperial, assegurando mercados cativos e exclusividade comercial.
No entanto, não eram apenas os liberais que defendiam o livre-comércio. Socialistas democráticos como Eduard Bernstein, Karl Kautsky e Luise Zietz[1] encontravam pontos de convergência com os liberais nessa questão. Para Bernstein, figura central do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) e do revisionismo marxista, “o livre comércio internacional é, antes de tudo, uma questão da classe trabalhadora”[2]. A defesa do livre-comércio ocupa um papel central em seu pensamento reformista, destacando-se como uma das principais distinções entre sua vertente do socialismo e as correntes mais ortodoxas do marxismo. Influenciado durante seu exílio em Londres (1888–1901) pelo convívio com Engels, os fabianos e os liberais britânicos, Bernstein passou a enxergar o livre-comércio como uma força progressista, capaz de beneficiar tanto o proletariado quanto a burguesia. Em sua visão, a troca internacional livre não era apenas uma questão econômica, mas uma questão de classe, uma vez que proporcionava acesso a bens mais baratos, ampliava as oportunidades econômicas e favorecia a paz entre as nações. Em contraste com o protecionismo de inspiração listiana[3], que ele considerava reacionário, nacionalista e um entrave à modernização, Bernstein via no livre-comércio um instrumento para o avanço do socialismo por vias pacíficas e democráticas.
As ideias fundamentais do livre-comércio podem oferecer lições valiosas e até mesmo indicar caminhos possíveis para o contexto político atual, em que líderes se opõem ao cosmopolitismo, à cooperação e à democracia, substituindo-os por ultranacionalismo, isolamento e agressão.
Alexandre Conchon é granduando em Ciências Econômicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie
Notas:
[1] Bernstein, Kautsky e Zietz foram figuras proeminentes do SPD.
[2] Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands, Stuttgart (Berlin: Dietz, 1898), 68, 200; Carlton J. H. Hayes, ‘The History of German Socialism Reconsidered’, American Historical Review 23 (Oct. 1917): 63–121 at 93–94; Cornelius Torp, The Challenges of Globalization: Economy and Politics in Germany, 1860–1914 (New York:Berghahn, 2014), 248; Report of the Proceedings of the International Free Trade Congress, London, August, 1908 (London: Cobden Club, 1908), 28; Anthony Howe, Free Trade and Liberal England, 1846–1946 (Oxford: Clarendon Press, 1997), 275.
[3] A doutrina listiana, formulada por Friedrich List, defende o protecionismo econômico como estratégia para o desenvolvimento de países em industrialização. Para List, o Estado deve proteger indústrias nascentes com tarifas e subsídios até que possam competir globalmente.


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