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Leitura no Brasil: Desafios Econômicos e Inovações Digitais

  • Vitória Batista Santos Silva
  • 2 de set. de 2024
  • 5 min de leitura

O mercado literário brasileiro passou por transformações significativas nos últimos anos, principalmente depois da pandemia. Grandes livrarias enfrentaram desafios com o fechamento temporário e observaram a popularização dos livros digitais. Apesar disso, ainda há barreiras para a ampliação do acesso aos livros, e é por isso também que, sim, o brasileiro ainda lê muito pouco. De acordo com a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” divulgada pelo Instituto Pró-Livro (2020), em 2019 o brasileiro lê, em média, 4,96 livros por ano, sendo 2,53 inteiros e 2,43 em partes. Se comparado com países que lideram no cenário internacional da leitura, como é o caso da Finlândia, da França e do Canadá, que atingem, a depender da medida/do ranking, valores de quatorze, dezessete, ou até mesmo vinte e um livros lidos por ano (Pró-Saber, 2023; RFI, 2019; World Population Review, 2017), nota-se que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer.


Após a pandemia foi identificada uma mudança significativa no panorama da aquisição de livros no Brasil. Segundo a Câmara Brasileira do Livro (2021), o mercado editorial brasileiro em 2020 apresentou um crescimento de 84% na participação de livrarias exclusivamente virtuais no faturamento das editoras, enquanto houve um aumento de 36% no faturamento de conteúdos exclusivamente digitais (SNEL, 2021). E essa tendência permaneceu quando são observadas as estatísticas de 2021 a 2023. O confinamento de muitas pessoas em casa acabou incrementando a demanda por formas de entretenimento que pudessem ocorrer em ambiente doméstico, sendo que o hábito da leitura era uma das alternativas, o que contribuiu para elevar as vendas de livros no âmbito virtual.


Do ponto de vista econômico, entende-se que o maior espaço conquistado pelos conteúdos digitais e pelas vendas virtuais ajudou a mitigar os prejuízos que a crise econômica resultante da pandemia causou ao setor, fomentando a diversificação da oferta do setor, considerando que muitas editoras que mantinham apenas a opção do livro impresso passaram a oferecer também a opção dos livros em formato digital.

Outro fator que chama a atenção e que tem ajudado a moldar as preferências do consumo no mercado de livros são as redes sociais. Embora não seja um fenômeno tão recente, é crescente o número de influenciadores que destinam seus conteúdos para discutir sobre livros, tanto os clássicos como os lançamentos, a fim de que possam servir de base para as escolhas dos usuários sobre o que adquirir. As parcerias entre editoras e influenciadores digitais têm crescido significativamente, sendo esta uma estratégia para atrelar as vendas ao crescente número de visualizações dos conteúdos digitais. Tomando como exemplo o caso do TikTok, a comunidade “BookTokBrasil” do TikTok já ultrapassou 20 bilhões de visualizações em 2024 (BBC, 2024).


Entretanto, não se pode esquecer que a democratização do acesso à literatura no Brasil ainda é um desafio, o que guia esta discussão para o âmbito educacional. Dados relativos ao analfabetismo divulgados pelo último Censo do IBGE (2022) mostraram que 7% da população brasileira ainda é analfabeta, o que equivale a mais de 11 milhões de pessoas. Aprofundando nas estatísticas, encontra-se as maiores taxas de analfabetismo nos estados da região Nordeste, assim como no caso da população indígena e preta. Ainda que as informações mostrem que o analfabetismo é menor entre a população mais jovem, se forem avaliadas estatísticas sobre a evasão escolar do Censo Escolar da Educação Básica (2023), identifica-se 3% de evasão no ensino fundamental e 5,9% de evasão no ensino médio. Tudo isso nos indica que o problema tem raízes estruturais profundas.


Ainda no que tange à infraestrutura, seria possível abordar questões de acesso a bibliotecas públicas e livrarias, avaliando a presença dessas e o acesso para quem vive em periferias ou em cidades mais distantes, bem como a parcela do orçamento das famílias destinada à aquisição de livros e materiais equivalentes, considerando que a situação econômica faz com que o valor que as famílias podem gastar com os livros seja incompatível com o preço dos livros no Brasil – deixando margem para a discussão sobre se é o livro que é muito caro, ou se é o brasileiro que ganha pouco (Casarin, 2024).


Assim, o mercado literário mudou, e bastante, com a maior presença dos livros digitais. Esse fato contribui para que não vejamos as grandes livrarias em boas situações financeiras, principalmente levando em consideração os impactos trazidos pela pandemia. Mas o impacto da literatura mostrado por meio das redes sociais indica que não é que a leitura necessariamente perdeu espaço ou importância para as gerações mais jovens. O que houve foi uma mudança nas preferências de consumo, o que exigiu rápida adaptação por parte das grandes editoras e livrarias. Infelizmente, ainda não podemos dizer que essa mudança – isolada – implica na democratização do acesso ao livro físico ou digital, pois uma série de problemas de ordem estrutural demandam políticas específicas para mitigar as disparidades no acesso ao conhecimento.


Para finalizar, fica a reflexão: vamos conseguir equilibrar a inovação e a inclusão social, fazendo com que a leitura torne-se uma prática mais habitual para todos os brasileiros? A resposta positiva demanda incentivos para tornar a leitura uma parte mais fundamental do cotidiano, independente da geração, da renda, ou da região. A educação é a chave para o desenvolvimento do pensamento crítico que possa nos fazer vislumbrar um futuro no qual a leitura não é mais um privilégio para alguns, mas uma prática mais acessível e valorizada.


Referências

CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. Pesquisa Produção e Vendas – Ano-base 2020. 2021. Disponível em: https://cbl.org.br/wp-content/uploads/2022/05/2_APRESENTACAO-Pesquisa-Producao-e-Vendas-ano-base-2020-1-1.pdf. Acesso em: 02 set. 2024.


CASARIN, R. O livro é caro no Brasil ou nós que ganhamos pouco? Uol, 2024. Disponível em: https://www.uol.com.br/splash/colunas/pagina-cinco/2024/01/17/preco-livro-e-caro-no-brasil.htm. Acesso em: 02 set. 2024.


INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2022. 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/. Acesso em: 02 set. 2024.


INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo Escolar da Educação Básica 2023. 2023. Disponível em: https://download.inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2023/apresentacao_coletiva.pdf. Acesso em: 02 set. 2024.


INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil – 5ª edição. 2020. Disponível em: https://www.prolivro.org.br/wp-content/uploads/2020/12/5a_edicao_Retratos_da_Leitura-_IPL_dez2020-compactado.pdf. Acesso em: 02 set. 2024.


MACHADO, S. O crescimento de BookTok no Brasil. BBC News Brasil, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cek5e5mr3pdo. Acesso em: 02 set. 2024.


PRÓ-SABER. Acesso à leitura ainda é desafio no Brasil: como formar mais leitores. 2023. Disponível em: https://prosabersp.org.br/acesso-a-leitura-ainda-e-desafio-no-brasil-como-formar-mais-leitores/. Acesso em: 02 set. 2024.


RFI. Franceses leem 21 livros por ano, cinco vezes mais que brasileiros. 2019. Disponível em: https://www.rfi.fr/br/cultura/20190313-franceses-leem-21-livros-por-ano-cinco-vezes-mais-que-brasileiros. Acesso em: 02 set. 2024.


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. Pesquisa Conteúdo Digital – Ano-base 2020. 2021. Disponível em: https://snel.org.br/wp/wp-content/uploads/2021/07/APRESENTACAO_-_Pesquisa_Conteudo_Digital_ano-base_2020.pdf. Acesso em: 02 set. 2024.


WORLD POPULATION REVIEW. Average Books Read per Year by Country. 2017. Disponível em: https://worldpopulationreview.com/country-rankings/average-books-read-per-year-by-country. Acesso em: 02 set. 2024.


  • Vitória Batista Santos Silva é pesquisadora e professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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