Liberalismo Socialista
- Alexandre André Conchon
- 27 de nov. de 2024
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Por Alexandre André Conchon
“O liberalismo provavelmente manterá a sua distinção do socialismo, ao tomar como teste principal da política a liberdade do cidadão individual em vez da força do Estado, embora o antagonismo dos dois pontos de vista possa tender a desaparecer à luz da experiência progressista.” - John A. Hobson, 1909
Liberalismo socialista? Ao ler ou ouvir esse termo, é natural que inúmeras dúvidas surjam: o que exatamente isso significa? Afinal, é comum enxergar as duas palavras como opostos ou até mesmo como conceitos antagônicos. Porém, no universo das ideologias, existem múltiplas interpretações de cada uma delas. Ou seja, existem diferentes formas de liberalismos, socialismos, conservadorismos e anarquismos. Mas, afinal, o que é um socialismo liberal? É possível alcançar o socialismo por meio do liberalismo? Pensadores como Norberto Bobbio e Carlo Rosselli acreditavam que sim. Rosselli, inclusive, ia além, argumentando que o socialismo era, originalmente, uma ideologia liberal que foi rompida pelo marxismo. Outros pensadores, como Noam Chomsky, um socialista libertário, e Nicolas Walter, um anarquista, veem o socialismo e até o anarquismo como evoluções naturais do liberalismo em um mundo industrializado. A relação entre socialismo e liberalismo é tão curiosa quanto lógica e profundamente conectada pela história. Compreender essas conexões pode abrir novos horizontes para o entendimento das transformações ideológicas ao longo do tempo.
Durante o século XIX, não havia qualquer contradição em alguém se identificar como liberal e socialista ao mesmo tempo. Os próprios socialistas utópicos entendiam seus projetos sociais como genuinamente liberais e fortemente influenciados por ideias do liberalismo. Essa conexão é evidente no pensamento de Robert Owen e dos utópicos franceses, especialmente em Henri de Saint-Simon e seus seguidores, os simonianos, que compartilhavam terreno comum com liberais como Adam Smith, John Stuart Mill, Richard Cobden e Thomas Paine. A defesa de um socialismo liberal vai além de reconhecer a influência e os pontos de convergência entre os socialistas utópicos e os liberais britânicos. Atualmente, o socialismo liberal é entendido como um regime que combina direitos liberais — como constitucionalismo democrático, mercados, liberdade de associação, democracia eleitoral e políticas de proteção social — com a propriedade pública dos meios de produção. Nesse modelo, o Estado assume um papel ativo na gestão do capital para alcançar objetivos econômicos e sociais. Ainda assim, acredito que existem diferentes caminhos para se chegar a um socialismo liberal, refletindo sua riqueza histórica e sua capacidade de adaptação às necessidades contemporâneas.
Socialismo Democrático
O primeiro caminho que vou comentar é o do socialismo democrático, uma ideologia derivada do marxismo que busca combinar a democracia política com a socialização centralizada dos meios de produção. Seu caráter liberal é notável principalmente pela valorização da democracia e pelo respeito aos direitos individuais, pilares fundamentais do pensamento liberal. No entanto, diferencia-se do liberalismo tradicional no campo econômico, ao propor um modelo centralizado de gestão dos meios de produção e das alocações econômicas. Apesar dessas distinções, historicamente, muitos socialistas democráticos encontraram afinidades com liberais, especialmente em temas como o livre comércio. Esse foi o caso dos social-democratas alemães e dos liberais britânicos, que compartilhavam a visão do livre comércio como uma ferramenta para promover o cosmopolitismo e a paz global. Em essência, o socialismo democrático pode ser descrito como uma corrente que busca alcançar o socialismo por meio das estruturas e princípios da democracia liberal.
Socialistas democráticos: Eduard Bernstein, Karl Kautsky, George Orwell.
Liberalismo-Socialista
O caminho dos “liberais ao socialismo” apresenta uma perspectiva distinta, na qual a visão de socialismo não se origina do marxismo, mas sim da própria teoria e filosofia liberal. Isso nos leva a uma reflexão: se o liberalismo pode conduzir ao capitalismo, por que não ao socialismo?
Antes da segunda metade do século XX, era comum encontrar liberais que defendiam abertamente um modelo socialista ou a superação do capitalismo. Nesse contexto, não havia contradição entre ser liberal e socialista. Para esses liberais, uma sociedade socialista representaria melhor e com mais dignidade os princípios do liberalismo. Ainda haveria espaço para o livre mercado, mas com propósitos sociais e foco na justiça social. Não haveria apenas algum espaço para o livre mercado, mas sim mais espaço, já que o próprio capitalismo, com suas tendências clientelistas e monopolistas, pode acabar inviabilizando um mercado livre, concorrencial e cooperativo.
O ideal de um socialismo liberal é exemplificado pelo pensamento do filósofo John Rawls, um dos nomes mais influentes do liberalismo moderno e do debate sobre justiça distributiva, e sua teoria da justiça. Para Rawls apenas dois modelos seriam satisfatórios para a sua teoria de justiça: socialismo liberal ou a democracia dos proprietários. Um modelo liberal de socialismo, como mencionado anteriormente, combinaria os direitos liberais — como constitucionalismo democrático, liberdade de associação e mercados — com a propriedade pública dos meios de produção. Nessa concepção, haveria mercados livres, mas orientados por propósitos sociais, com o Estado desempenhando um papel ativo na garantia de igualitarismo. No entanto, ao contrário dos socialistas democráticos, os liberais não buscam igualdade de resultados, mas sim igualdade de oportunidades, tornando discutível o que seria o igualitarismo buscado pelos liberais. Esse debate é explorado nos trabalhos de pensadores como John Rawls, Ronald Dworkin, Amartya Sen e Brian Barry. Embora nem todos eles defendam explicitamente um modelo socialista, suas contribuições se alinham à tradição liberal-igualitária, que oferece uma base teórica para discutir formas de justiça social dentro de uma estrutura democrática e liberal.
Liberais-Socialistas: John Rawls, John Dewey, Léon Walras.
Conclusões
Existem múltiplas interpretações e caminhos tanto para o liberalismo quanto para o socialismo, abrangendo abordagens práticas e teóricas que os posicionam ora como meios, ora como fins. As ideologias políticas são, na verdade, muito mais diversas e complexas do que as discussões superficiais frequentemente encontradas no ambiente online podem sugerir. O socialismo, por exemplo, não é exclusivo do marxismo, assim como o liberalismo não pertence exclusivamente ao capitalismo. Essas tradições ideológicas possuem raízes, ramificações e evoluções que dialogam e se transformam ao longo do tempo, revelando sua riqueza e pluralidade.
Referências Bibliográficas
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VAN PARIJS, Philippe. Renda Básica (Portuguese Edition). São Paulo: Cortez, 2021.
HOBSON, John A. The Crisis of Liberalism. Londres: P. S. King & Son, 1909.
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MERQUIOR, José G. O Liberalismo Antigo e Moderno. São Paulo: É Realizações Editora, 2014.


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