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Mecanismos de congelamento tarifário: um desafio constante para a Administração Pública

  • Foto do escritor: Rogério Baptistini Mendes
    Rogério Baptistini Mendes
  • 10 de fev.
  • 4 min de leitura
  • Por Henrique de Andrade Sandall Millás[1] e Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo[2]

 

Os reajustes tarifários devem ser tratados como mecanismos naturais e automáticos em contratos de serviço público, conforme defendido por Ribeiro (2011). Esses aumentos não têm o objetivo de enriquecer os prestadores de serviço, mas apenas repor a desvalorização monetária causada pela inflação. De maneira análoga ao dissídio salarial, os reajustes anuais garantem a manutenção do poder de compra da moeda, permitindo que a estrutura de custos dos prestadores seja adequadamente financiada, impulsionando a continuidade e melhoria dos serviços.


Quando o poder público decide congelar as tarifas, a desvalorização da moeda não é repassada aos usuários, o que implica na transferência do impacto econômico para os prestadores de serviço. Essa medida pode causar um desequilíbrio financeiro, pois, enquanto os custos operacionais continuam a aumentar, a receita permanece a mesma (STAUB, 2013). No caso de São Paulo, as tarifas atuais são insuficientes para cobrir os custos do serviço, o que faz com que o congelamento tarifário resulte em uma crescente dependência de subsídios municipais para complementar a receita operacional. Isso cria uma pressão significativa sobre o orçamento público e reduz os recursos disponíveis para outras áreas da administração municipal.


O congelamento prolongado das tarifas afeta a percepção dos usuários sobre a dinâmica de custos do sistema de transportes, incorrendo comportamentos prejudiciais. Um dos efeitos preocupantes é o fenômeno da “subestimação dos esforços”, que ocorre quando os usuários passam a acreditar que os custos de operação são baixos ou inexistentes (STAUB, 2013). Essa percepção de estabilidade tarifária intensifica a resistência a qualquer reajuste, mesmo que ínfimo. Essa resistência é um reflexo do viés de ancoragem, um conceito descrito por Tversky e Kahneman (1974), que explica como os indivíduos ajustam suas expectativas a partir de um valor inicial, independentemente de mudanças no contexto econômico e social. Quanto mais longo o período sem reajustes, maior será a aversão popular a aumentos futuros, exigindo maiores esforços políticos do gestor público, caso deseje retomar a tarifa ao patamar devido.


Como exemplo, na cidade de São Paulo, já houve anúncio para manutenção das tarifas de ônibus urbana, dando continuidade a uma política de congelamento tarifário e representou acumulado nos bilhetes de mais de 30% (GOMES et.al., 2024). Embora a medida seja amplamente popular, especialmente entre as classes de menor renda, tal medida, se perpetuada, pode gerar comportamentos dos usuários que prejudicam a sustentabilidade do sistema de transporte público.


Um impacto do congelamento tarifário é a redução nas exigências dos usuários para a melhoria na qualidade do serviço. Havendo tarifas continuamente represadas e explicitamente insuficientes para arcar com os custos, os usuários tendem a aceitar padrões inferiores de qualidade, pois associam o preço reduzido à oferta de um serviço “medíocre”. Essa aceitação de um serviço precário reduz as exigências dos usuários com o poder público, e como consequência faltam estímulos políticos para se buscar melhorias, expansão e eficiência do sistema. No limite, o sistema pode se tronar obsoleto e rejeitado pela precariedade, perdendo competitividade (CERVERO, 1998).

 

 

Outro efeito surge no modo que os usuários percebem o papel do poder público. O congelamento tarifário prolongado, amplia no usuário uma visão paternalista do Estado, em que os cidadãos esperam que os subsídios sejam a única forma viável de financiar o serviço. Esse entendimento fragiliza a ideia de corresponsabilidade na manutenção dos serviços públicos, dificultando a implementação de políticas mais transparentes e sustentáveis (BRESSER-PEREIRA, 1997).


Para haver sucesso na atualização recorrente das tarifas, cabe citar duas orientações trazidas por Ribeiro (2011). Segundo o autor, idealmente deve-se buscar a aplicação de reajustes anuais recorrentes, evitando que os aumentos se acumulem, deste modo é reduzido o impacto no usuário e a resistência popular. Outra medida citada é a importância de haver transparência dos dados do sistema, informando ao usuário sobre os custos reais do serviço público e a necessidade de haver tarifas sustentáveis. Adicionalmente, vale citar a importância de orientar aos usuários a origem dos recursos destinados ao serviço, e os impactos que subsídios excessivos geram em outros setores da administração pública.


Por fim, observa-se que a prática de congelamento tarifário, apesar de popular, traz riscos para a gestão do transporte coletivo urbano, e demais serviços públicos. Assim, para ajustar tamanho desafio, o Poder Público deve  buscar políticas tarifárias sustentáveis, baseadas em critérios técnicos e transparentes, com isso evitar que o transporte público se torne economicamente inviável e deficiente.

 

REFERÊNCIAS:


BRESSER-PEREIRA, , Luiz Carlos Bresser. A Reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Caderno 1 Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997.


CERVERO, Robert. The Transit Metropolis: A Global Inquiry. Washington, D.C.: Island Press, 1998.


GOMES, Bianca; FREITAS, Hyndara. Nunes diverge de Tarcísio e não irá aumentar tarifa de ônibus na cidade de São Paulo. O Globo, São Paulo, 14 de dezembro de 2024. Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/sao-paulo/noticia/2023/12/14/nunes-diverge-de-tarcisio-e-nao-ira-aumentar-tarifa-de-onibus.ghtml. Acesso em: 07 de dezembro de 2024.


RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: Melhores práticas em licitações e contratos. São Paulo: Ed. Atlas, 2011.


STAUB, Elton Davi. Regulação do Serviço Público de Transporte Coletivo Urbano: Análise da Metodologia GEIPOT. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização. Escola Nacional de Administração - Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, 2013.


TVERSKY, A., & KAHNEMAN, D. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. Science, v. 185, p. 1124-1131, 1974.


[1] Especialista em regulação econômica e modelagem de Concessões de Serviço Público, discente do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (Mackenzie-SP), graduado em Tecnologia Mecânica (FATEC-SP/UNESP) e Engenharia de Produção (UAM-SP), com MBA em Controladoria e Auditoria (FGV-SP).


[2] Advogado, Pós-Doutor em Economia Política - PUC/SP, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais, Mestre em Direito, Professor na graduação do curso de Ciências Econômicas e no programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie) e USCS.

 

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