O desafio do overturismo na Itália
- Larissa Lugli Hidalgo Gonçales e Vitória Batista Santos Silva
- 14 de abr.
- 4 min de leitura
Por Larissa Lugli Hidalgo Gonçales e
Vitória Batista Santos Silva¹
O turismo é vital para a economia de muitos países europeus — França e Espanha, por exemplo, lideram o ranking global de visitantes, segundo a Organização Mundial do Turismo (2024). Porém, isso abre espaço para a discussão econômica dos trade-offs: como equilibrar os ganhos da atividade turística com os prejuízos sociais, ambientais e urbanos que ela pode causar? O fenômeno do overturismo tem colocado essa questão em evidência, especialmente na Itália. De Veneza, no norte, onde o excesso de cruzeiros ameaça a estrutura da cidade, até o centro histórico de Nápoles, no sul, cujo aumento da demanda turística suscitou debates sobre a cobrança de taxas para visitação, os impactos do overturismo podem variar de mudanças no cotidiano dos moradores até o encarecimento dos produtos e serviços prestados.
Cidades italianas tornaram-se exemplos no que se refere à compreensão desse fenômeno, adotando medidas restritivas para conter os efeitos negativos do fluxo intenso de turistas. O país, que foi o quinto no mesmo ranking de recepção de turistas em 2024, tenta implementar diferentes estratégias para enfrentar os desafios do turismo elevado, buscando equilibrar desenvolvimento econômico e preservação do patrimônio.
Pacho (2024) explica que no verão do ano de 2023 a cidade de Pompéia, localizada no sul da Itália, recebeu um número recorde de turistas, ultrapassando quatro milhões. Geralmente, em alguns dias da semana – como nos primeiros domingos do mês – a entrada aos sítios arqueológicos é gratuita. Na busca de lidar com a demanda turística elevada, desde o dia 15 de novembro de 2024 foi estabelecido um limite diário de 20.000 inscrições, sendo que os ingressos são personalizados com o nome de cada visitante. Durante o verão, a quantidade de turistas é maior, portanto, são definidos intervalos de tempo para controlar os acessos. O principal objetivo é limitar os efeitos do turismo de massa.
Existem previsões de que o número de visitantes ao país ainda crescerá, o que impulsionou algumas cidades italianas a realizarem projetos para controlar os fluxos de turistas. Veneza testou a implementação de entrada paga para quem visitar o centro durante o dia, sem pernoitar, ao longo de 29 dias em 2024. Neste ano, a cidade volta a cobrar a taxa com o valor dobrado por mais 54 dias, incluindo datas como o feriado de Páscoa (Bonamoneta, 2025). Em Florença o número de acomodações turísticas no centro foi limitado (Gori, 2025), e até mesmo a capital Roma buscou controlar os apartamentos turísticos e implementação de um sistema de visita paga e pré-agendada para Fontana di Trevi (Aquaro; Dell’Oste, 2024; Olivieri, 2024).
Em Portofino, no norte do país, o governo local introduziu uma lei para que os turistas não demorem ao tirar selfies em pontos turísticos e mais fotogênicos e as multas podem chegar €275,00 (BBC, 2023). Em Nápoles, no sul da Itália, também cogitou-se cobrar uma taxa para visitação de parte do centro histórico, medida que encontrou forte oposição principalmente por parte dos comerciantes locais (Ansa, 2024).
De acordo com Rodriguez (2023) os moradores da Europa no geral demonstram insatisfação com os transtornos causados pelo turismo em excesso, e adotaram uma estratégia voltada ao “anti-turismo” com intuito de desencorajar os visitantes. A União Europeia vem debatendo amplamente sobre como lidar com o excesso de turistas, com destaque para países como Holanda, Itália, França, Espanha, Portugal e Croácia.
Com a crescente demanda turística, a Itália tenta auxiliar cidades que enfrentam crises financeiras, buscando ampliar suas receitas e promover um turismo mais responsável. Em 2024 foi discutido um projeto que propunha a cobrança de até 25 euros por noite nos quartos de hotel mais caros. No entanto, associações que representam os setores hoteleiro e turístico se posicionaram contra a proposta, alegando que isso possíveis prejuízos à competitividade do país em relação a outros destinos europeus (Kazmin; Ricozzi, 2024).
O fenômeno do overturismo pode afetar não apenas a infraestrutura urbana, mas também a qualidade de vida dos residentes locais, a preservação do patrimônio histórico e a autenticidade cultural dos espaços. Diante desse cenário, autoridades municipais e nacionais vêm adotando estratégias que vão desde restrições diretas ao acesso até campanhas educativas voltadas ao turismo consciente. Taxas de visitação, limites diários de ingressos, reservas antecipadas e a regulação de acomodações de curta duração são algumas das medidas implementadas. Além disso, discute-se cada vez mais a necessidade de repensar o modelo de turismo vigente, buscando uma abordagem mais equilibrada que considere não apenas o lucro econômico, mas também o bem-estar da população residente e a conservação dos espaços visitados. Tal debate convida à reflexão sobre o papel dos turistas e a responsabilidade coletiva na construção de um turismo mais sustentável.
Referências
AQUARO, D.; DELL’OSTE, C. Affitti brevi: già rilasciato il 75% dei Cin, obbligatori dal 2 gennaio. Il Sole 24 Ore, 23 dez. 2024. Disponível em: https://www.ilsole24ore.com/art/affitti-brevi-e-case-vacanze-nuovi-paletti-citta-gia-rilasciato-75percento-cin-AGLd0crB. Acesso em: 08 abr. 2025.
BONAMONETA, G. Venezia, biglietto ingresso: ecco il prezzo da aprile 2025. Quifinanza, 8 mar. 2025. Disponível em: https://quifinanza.it/lifestyle/travel-economy/venezia-biglietto-ingresso-prezzo-aprile-2025/886481/. Acesso em: 08 abr. 2025.
GORI, G. I nuovi Airbnb vietati in centro a Firenze, ma non bloccati: ci si può ancora registrare. Corriere Fiorentino, 13 mar. 2025. Disponível em: https://corrierefiorentino.corriere.it/notizie/cronaca/25_marzo_13/i-nuovi-airbnb-vietati-in-centro-a-firenze-ma-non-bloccati-ci-si-puo-ancora-registrare-ed-ecco-il-cin-446db69b-2598-47d1-b47e-f2e62fd6cxlk.shtml. Acesso em: 08 abr. 2025.
KAZMIN, A.; RICOZZI, G. Italy looks to rein in short-term rentals amid backlash from residents. Financial Times, 30 ago. 2024. Disponível em: https://www.ft.com/content/c3c478ff-dac2-43f3-9439-0e8b42d4cd80. Acesso em: 08 abr. 2025.
OLIVIERI, F. Roma pode cobrar taxa de entrada para Fontana di Trevi. Exame, 10 set. 2024. Disponível em: https://exame.com/casual/roma-pode-cobrar-taxa-de-entrada-para-fontana-di-trevi/. Acesso em: 08 abr. 2025.
OMT – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Global and regional tourism performance. 2024. Disponível em: https://www.unwto.org/tourism-data/global-and-regional-tourism-performance. Acesso em: 08 abr. 2025.
PACHO, L. Pompeya limita el número de visitantes para proteger su patrimonio. El País, 8 nov. 2024. Disponível em: https://elpais.com/cultura/2024-11-08/pompeya-limita-el-numero-de-visitantes-para-proteger-su-patrimonio.html. Acesso em: 21 mar. 2025.
POLEMICHE a Napoli: “No al ticket di 5 euro a San Gregorio Armeno”. ANSA, 27 nov. 2024. Disponível em: https://www.ansa.it/campania/notizie/2024/11/27/polemiche-a-napoli-no-al-ticket-di-5-euro-a-san-gregorio-armeno_316ddb10-ff7d-480f-a285-950fda6d073d.html. Acesso em: 08 abr. 2025.
RODRIGUEZ, C. Chega de turistas: destinos da Europa impõem proibições, multas e impostos. Forbes Brasil, 8 ago. 2023. Disponível em: https://forbes.com.br/forbeslife/2023/08/chega-de-turistas-overtourism-na-europa/. Acesso em: 21 mar. 2025.
WHY are some Italian towns banning selfies? BBC, 19 abr. 2023. Disponível em: https://www.bbc.co.uk/newsround/65312770. Acesso em: 08 abr. 2025.
Autoras
Larissa Lugli Hidalgo Gonçales é Egressa da graduação em Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Vitória Batista Santos Silva é Professora da graduação em Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.


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