O marco regulatório do saneamento e leilão no Estado do Sergipe
- Henrique de Andrade Sandall Millás e Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo
- 11 de nov. de 2024
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Por Henrique de Andrade Sandall Millás e Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo
A nova legislação federal sobre saneamento básico introduziu mudanças significativas em relação à norma anterior. A criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA como o principal órgão regulador, junto à responsabilização dos gestores pelo cumprimento das metas de universalização e à melhoria dos aspectos de governança, tem como objetivos aumentar a eficiência e a transparência na prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no país. É evidente que a prestação desses serviços sob o regime anterior não foi eficaz, resultando em uma parcela expressiva da população sem acesso adequado à água tratada e esgotamento. Diante do espaço para ampliar a participação das empresas privadas no setor, há o caso do Estado do Sergipe que, neste ano, realizou leilão parcial da Companhia de Saneamento de Sergipe – DESO.
Com o leilão haverá a transferência dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário para a iniciativa privada por um período de 35 anos. Para adquirir esta concessão a arrematante desembolsará como outorga, o valor de R$ 4,5 bilhões (PPI, 2024). E desta fortuna, 40% serão repassados aos 75 Municípios do bloco, predominantemente deficitários. Com a entrada de tantos recursos, cabe refletir sobre que tipos de transformações os gestores municipais implementarão em suas cidades.
O leilão da DESO atraiu a atenção de grandes grupos do setor, e o lance vencedor trouxe um ágio de 122% sobre o valor mínimo estabelecido. Tal fato, é mais um caso que reflete o sucesso do Novo Marco Regulatório do Saneamento, aprovado pela Lei 14.026/20. O Novo Marco contribui fortemente para uma governança mais sólida, e exige um comprometimento efetivo do poder público com a melhoria da infraestrutura de saneamento básico (BRASIL, 2020).
A importância do saneamento básico é indiscutível, especialmente na redução da mortalidade por doenças de veiculação hídrica, preservação de mananciais e promoção da dignidade humana. No entanto, apesar da sua criticidade, nos 75 municípios do bloco a média de atendimento de esgotamento sanitário é de apenas 35%(CAUSIN, 2024). Grosso modo, são quase 1,8 milhões de habitantes no Estado com descarte de esgoto sem tratamento.
Retomando o tema da outorga, cabe mencionar alguns dados relevantes: (i) em 2023, o Estado de Sergipe apresentou um PIB de R$ 32 bilhões, e (ii) os municípios sergipanos receberam aproximadamente R$ 4,7 bilhões em repasses federais no mesmo ano (SEPLAN-SE, 2024). Com a realização do leilão, espera-se um bônus significativo, referente a outorga do Leilão, que representa cerca de 15% do PIB, com previsão de ingresso nos cofres municipais entre 2025 e 2026. Trata-se, portanto, de uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento local.
Pela inação com a prestação do esgotamento sanitário, o Poder Público tem uma dívida incalculável com seus eleitores. E certamente, é improvável que os chefes do executivo e o legislativo municipal dos municípios do bloco, por mais que se esforcem, consigam transformar a fortuna que receberão em benefícios para a população que reparem uma parte desta dívida contratada ao longo de gerações.
Os expressivos investimentos previstos pela arrematante do Leilão vão contribuir muito, em trazer dignidade e aquecer a economia local. Já a fortuna da outorga também deve ajudar bastante, mas não vai transformar a realidade dos precários municípios sergipanos. Espera-se ao menos que, o ineditismo da ocasião inspire o poder público a aproveitar estes recursos à altura da excepcionalidade da ocasião.
Outros estados como Pará, Paraíba, Rondônia e Pernambuco estão desenvolvendo projetos semelhantes que devem ser licitados nos próximos dois anos (BETHÔNICO, 2024). Para estes, o caso de Sergipe pode servir como um valioso benchmark sobre o potencial transformador que a outorgas provenientes de leilões de concessões podem oferecer à sociedade, aliados à melhoria e expansão dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto.
REFERÊNCIAS:
BETHÔNICO, Thiago. Outorgas de saneamento preocupam e BNDES pode parar de financiá-las, diz Mercadante. Folha de São Paulo, São Paulo, 9 de outubro de 2024. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/10/outorgas-de-saneamento-preocupam-e-bndes-pode-parar-de-financia-las-diz-mercadante.shtml. Acesso em: 02 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 jul. 2020.
CAUSIN, Julia. Arrematado o leilão de saneamento no Sergipe por R$ 45 bilhões. O Globo, São Paulo, 4 de outubro de 2024. Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/09/04/igua-arremata-leilao-de-saneamento-no-sergipe-por-r-45-bilhoes.ghtml. Acesso em: 02 de novembro de 2024.
SEPLAN-SE Secretaria Especial de Planejamento, Orçamento e Inovação do Estado do Sergipe. Painel de Contas de Sergipe . Disponível em: https://observatorio.se.gov.br/painel-de-contas-municipais-de-sergipe/. Acesso em: 02 de novembro de 2024.
PPI. Programa de Parceiras em Investimento do Governo Federal. Divulgação do resultado do Leilão da Concessão Parcial da DESO Sergipe. Disponível em: https://ppi.gov.br/igua-saneamento-vence-leilao-da-concessao-parcial-dos-servicos-de-abastecimento-de-agua-e-esgotamento-sanitario-de-sergipe/. Acesso em: 02 de novembro de 2024.
Henrique de Andrade Sandall Millás e Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo são, respectivamente, discente do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (Mackenzie-SP) e Professor na graduação do curso de Ciências Econômicas e no programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie).


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