Ouro azul: como a infraestrutura hídrica impacta a economia das cidades
- Marcelo Samos
- 27 de nov. de 2024
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Por Marcelo Samos
Nos últimos anos, a água tratada tem sido reconhecida não apenas como uma necessidade básica, mas como um dos pilares centrais do desenvolvimento urbano sustentável. Durante a crise hídrica de 2014-2015 em São Paulo, a maior cidade da América Latina viu sua produtividade industrial declinar, enquanto comércios e residências enfrentaram racionamentos severos, gerando prejuízos econômicos estimados em mais de R$ 8 bilhões. Pesquisas recentes indicam que investimentos em infraestrutura hídrica, além de prevenir esses cenários críticos, possuem um efeito multiplicador significativo na economia, reduzindo custos com saúde pública e promovendo estabilidade para empresas e trabalhadores (Moore et al., 2018; Hutton et al., 2007). Assim, não é exagero dizer que a água tratada não é apenas um recurso vital, mas um verdadeiro motor de crescimento econômico sustentável.
O acesso a água tratada transcende sua função básica de saciar a sede e higienizar. Ele é, sobretudo, um alicerce da saúde pública e da economia. Estudos mostram que cada dólar investido em saneamento básico gera uma economia de até US$ 5 em custos com saúde pública (Hutton et al, 2007). Isso ocorre porque a ausência de água tratada amplia a incidência de doenças como diarreia e cólera, que não apenas sobrecarregam hospitais, mas também afastam trabalhadores de suas funções. A relação entre saúde e produtividade é direta: indivíduos saudáveis faltam menos ao trabalho, produzem mais e contribuem de maneira mais consistente para o crescimento econômico. Nas cidades que investem adequadamente em sistemas de tratamento, como Cingapura, observa-se um ciclo virtuoso onde trabalhadores saudáveis impulsionam economias robustas, provando que, em meio ao frenesi urbano, a água tratada é um dos elementos que mantém a engrenagem produtiva em movimento.
O impacto transformador de investimentos estratégicos em infraestrutura hídrica é evidente em exemplos como a Cidade do Cabo, na África do Sul. Após enfrentar uma severa crise de abastecimento em 2018, que quase culminou no chamado “Dia Zero” (momento em que as torneiras da cidade secariam completamente), o governo local adotou uma abordagem proativa. Foram implementados sistemas avançados de reaproveitamento de água, campanhas de conscientização e parcerias com o setor privado para ampliar a capacidade de dessalinização. Essas ações não apenas evitaram o colapso, mas também posicionaram a cidade como um modelo global de gestão hídrica resiliente, atraindo novos investimentos e gerando empregos diretos em obras de infraestrutura e manutenção, além de empregos indiretos em setores como turismo e agricultura sustentável.
A experiência da Cidade do Cabo não é isolada. Estudos demonstram que investimentos em saneamento básico possuem um efeito multiplicador significativo na economia local (Hutton et al., 2007). Cada projeto de construção de estações de tratamento ou redes de distribuição de água mobiliza uma cadeia produtiva que vai desde a fabricação de materiais até serviços especializados de engenharia. Além disso, ao assegurar a estabilidade no abastecimento, essas obras criam um ambiente propício para o crescimento de indústrias e comércios, fortalecendo o tecido econômico urbano. Ao transformar crises em oportunidades, cidades que priorizam o saneamento básico não apenas mitigam riscos futuros, mas pavimentam o caminho para um desenvolvimento sustentável e inclusivo, provando que, quando se investe em água, o retorno flui em todas as direções.
Enquanto algumas cidades emergem como exemplos inspiradores de resiliência e inovação, outras sucumbem ao peso das consequências de uma gestão hídrica negligente. A lição é clara: a água tratada não é apenas um recurso essencial, mas um fator estratégico para a competitividade urbana. Quando investimentos são adiados ou ignorados, os efeitos negativos se propagam rapidamente, comprometendo a estabilidade econômica e social. Casos emblemáticos ilustram essas consequências. Chennai, na Índia, enfrentou em 2019 uma crise hídrica tão severa que empresas multinacionais, incluindo gigantes do setor de tecnologia, tiveram que interromper operações ou considerar mudanças para outras regiões mais estáveis. A escassez de água não apenas reduziu a produção industrial, mas também gerou um impacto significativo no mercado de trabalho, com milhares de empregos perdidos devido à fuga de empresas e à desaceleração econômica. De maneira semelhante, cidades no Brasil, como Itu durante a crise hídrica paulista de 2014-2015, enfrentaram dificuldades para atrair novos investimentos, já que a incerteza no fornecimento de água se tornou um risco adicional para os negócios.
A análise dos casos de sucesso e das lições aprendidas com as falhas em gestão hídrica revela um ponto incontornável: o tratamento de água não é apenas uma questão de sustentabilidade ambiental ou saúde pública, mas uma necessidade estratégica para assegurar a competitividade econômica das cidades. Investir em infraestrutura hídrica significa investir no futuro. Isso inclui a redução de custos sociais com saúde, a atração de empresas e talentos, e a construção de cidades resilientes, capazes de enfrentar desafios como mudanças climáticas e crescimento populacional acelerado. Por isso, se torna necessária nas cidades em expansão a criação de um “pacto pela água” que reúna esforços do governo, da iniciativa privada e da sociedade civil para priorizar políticas públicas e iniciativas que garantam o acesso universal a água tratada. Esse pacto deve ir além de ações paliativas, apostando em inovação tecnológica, regulamentação eficiente e investimentos estruturantes que beneficiem tanto a população quanto a economia. Quando compreendemos que a água é o alicerce invisível das cidades e que cada gota tratada carrega consigo um potencial transformador, fica claro que, no século XXI, não há espaço para negligência. Afinal, o "ouro azul" não é apenas um recurso — é a base sobre a qual se constrói a prosperidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MARENGO, José A.; NOBRE, Carlos Afonso; SELUCHI, Marcelo Enrique; CUARTAS, Adriana; ALVES, Lincoln Muniz; MENDIONDO, Eduardo Mario; OBREGÓN, Guillermo; SAMPAIO, Gilvan. A seca e a crise hídrica de 2014-2015 em São Paulo. Revista USP, São Paulo, Brasil, n. 106, p. 31–44, 2015. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.v0i106p31-44. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/110101.. Acesso em: 26 nov. 2024.


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