Pepe Mujica: alguns ensinamentos e sua cachorrinha
- Rodrigo Augusto Prando
- 1 de jun.
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Por Rodrigo Augusto Prando
Não faz muito, faleceu Pepe Mujica, agricultor e ex-presidente do Uruguai. Mujica, já adoecido e alquebrado pelo câncer, pediu aos jornalistas e admiradores em geral que o deixassem em paz, não solicitassem mais entrevistas e tampouco encontros. Pediu, na verdade, para partir de forma simples, como foi sua vida. Aliás, penso, agora, numa frase de José de Souza Martins: “O simples nos liberta dos simplismos”.
Seria, aqui, ocioso, construir um necrológio de Mujica, de sua trajetória de vida e de sua visão política de mundo. Isso poderá ser, facilmente, encontrado nas diversas matérias publicadas desde sua morte. Selecionei, contudo, dois de seus dizeres e seu último desejo. É com isso que quero refletir e convidar os leitores a refletirem também.
Nas palavras de Mujica: “A vida humana não pode se resumir a trabalhar, pagar as contas e fazer dívidas, como propõe o capitalismo. Defender o tempo livre e a liberdade é uma questão de princípios”. Há, filosófica e teologicamente, uma pergunta assaz presente no horizonte humano: qual o sentido da vida?. A depender de nossas crenças, valores, cultura e socialização, a resposta será diferente. Mujica afirma que uma vida dedicada ao trabalho, consumo e pagar dívidas é, de certa forma, vazia de sentido, já que, no capitalismo, o “eu”, quem “sou” é menos importante do que eu “tenho”. A dialética entre o “ser” e o “ter” ainda encontra, nos dias que correm, o “aparecer”. Assim, pouco importa quem sou, importa o que eu tenho e, no mundo das redes sociais e impulsionamento algorítmico, como eu apareço, sou visto e tenho seguidores e likes. A afirmação de Mujica lembra, também, a defesa do “ócio criativo”, de Domenico De Masi, numa conjugação de trabalho, estudo e lazer. Não só o tempo livre, mas a liberdade são, para Mujica, valores inegociáveis. Sua vida, simples, sem luxos, sem pompa, foi a concretização desses valores: sem querer e ter muito, era livre e buscou ser senhor de seu tempo, dando importância para aquilo que reputava como fundamental para sua existência.
Em outra conhecida passagem, asseverou, com ênfase na justiça social que: “Os que comem bem, dormem bem e têm boas casas, possivelmente pensam que o governo gasta demais em políticas sociais”. A esquerda, o campo progressista, do qual Mujica foi um ícone, faz a defesa do papel do Estado, dos governos, buscando corrigir ou mitigar as desigualdades econômicas, sociais, culturais e educacionais, especialmente, no bojo da América Latina, continente colonizado e de estruturas assentadas numa história de trabalho servil, escravo, genocídio das populações originais e de exploração da metrópole sobre suas colônias. Liberais clamam por menos Estado e mais liberdade. Justo. A questão, para os progressistas, é que essa liberdade dos indivíduos não encontra um ponto de partida justo, equânime. Por isso, os que moram, comem e dormem bem costumam atacar os gastos sociais dos governos. Não são todos, bem lembra o uruguaio, mas muitos tem pouca empatia por seus semelhantes desafortunados, marginalizados e invisibilizados socialmente.
Finalmente, entendendo a proximidade de seu fim, o uruguaio verbalizou seu último desejo: o de ser enterrado ao lado de sua cadela Manuela, em sua chácara, nos arredores de Montevidéu. Para mim, nada melhor e mais emocionante, do que isso. Uma vida singela e rica. Sim, rica. A riqueza de Mujica esteve na força de suas convicções, nos seus valores (não econômicos e sim morais) e na demonstração que a vida é linda, especialmente, importando-se com nossos irmãos. Descansará, doravante, ao lado de Manuela, sua cadelinha, companheira em parte de sua vida. E que vida!
Não tenho inveja. Tenho por ele uma profunda admiração. Sou demasiado pequeno ao lado de sua trajetória, de seu exemplo e, por certo, de seu legado.
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie


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