Repensando o Papel do Economista: uma pequena homenagem ao Mestre Celso Furtado.
- Raphael Bicudo
- 15 de nov. de 2024
- 5 min de leitura
Por Raphael Bicudo
O grande Mestre Celso Furtado, um dos principais interpretes da realidade brasileira, bem como um dos maiores economistas que tivemos, nos deixou, no dia 20 de novembro de 2004, vinte anos atrás.
Celso Furtado nasceu em Pombal, no interior da Paraíba, presenciando em muitas ocasiões o problema da seca, da miséria e da vida sofrida de vários sertanejos nordestinos. O cenário triste e sombrio, marcado por esta realidade, desperta no jovem Furtado desde muito cedo, uma série de preocupações acerca das nossas mazelas e a necessidade de compreendê-las para transformá-las. O propósito destas breves notas é compartilhar com os jovens economistas e todos aqueles que possuem alguma preocupação, com o nosso futuro, algumas passagens da enorme herança, contida na obra de Celso Furtado.
Na última semana, o IBGE, publicou alguns indicadores, relacionados ao Censo de 2022, mais especificamente, sobre o drama social do país. São 16 milhões de pessoas “morando” em favelas (as aspas refletem minha indignação), perfazendo um aumento de 43, 5% na comparação com o ano de 2010. Do total de 5.570 municípios espalhados pelo país, 665, possuem as chamadas favelas. A região Sudeste abriga 48% das favelas, seguida pelo Nordeste 26,8%, Norte 11,6%, Sul 10,4% e o Centro-Oeste 2,5%. Cabe destacar também, o número de pessoas, vivendo nessa difícil condição, por Estados: São Paulo (3.630.519), Rio de Janeiro (2.142.466), Pará (1.523.608) e Bahia (1.370.262). A Rocinha, no Rio de Janeiro, possui o maior número de moradores em favelas (72.210), seguida por Nascente (Distrito Federal) e Paraisópolis (São Paulo), com 70.908 e 58.527 moradores, respectivamente. Dessa forma, com base nos indicadores acima, as seguintes indagações, levantadas por Furtado em 1962, continuam fazendo todo o sentido nos dias atuais:
“Quantos milhões de vidas são ceifadas, anualmente, num país como o Brasil, pelo subdesenvolvimento? Quantos milhões de vidas são consumidas, pela fome e pelo desgaste físico provocado por formas primitivas de trabalho, antes de que alcancem a plena maturidade? Quantos milhões de seres humanos por aí estão sem que tenham acesso à alfabetização ou qualquer outra oportunidade de participar nas manifestações médias e superiores da cultura? Poucos de nós temos consciência do caráter profundamente anti-humano do subdesenvolvimento” (A Pré Revolução Brasileira Furtado, 1962: p. 23).
Cabe a pergunta: como chegamos a tal situação?
A economia brasileira, durante trinta anos (1950-1980), apresentou um crescimento de 7,4% a.a., formando um parque industrial de alta complexidade, forte urbanização e alguma modernização. Porém, deixamos uma série de “pontos de estrangulamento” por fazer, em diversas áreas: saúde, educação, infraestrutura, desigualdades regionais. Seguimos em “marcha forçada”, através de um modelo excludente, com forte concentração de renda, até sua ruptura em 1980, culminando na crise da dívida e no processo inflacionário. A partir da década de 90, passou-se a acreditar, no “canto” da globalização, no receituário do consenso de Washington, nos fundamentos do Novo Consenso Macroeconômico, como o caminho a ser seguido, para nos livrar da “armadilha da renda média” e permitir o nosso esperado “catching up”. Até o momento, nem o caminho parece ser o mais adequado e muito menos a terminologia bonita dos economistas do mainstream. A verdade que se constata, é a permanência do nosso subdesenvolvimento, bem como a interdição do debate sobre o desenvolvimento. A discussão na área da economia, já faz tempo, está concentrada nos problemas macroeconômicos de curto prazo. Porém, uma passada de olhos nos indicadores sociais publicados pelo IBGE sobre as favelas no Brasil, a permanência e o agravamento da concentração de renda, a dificuldade de voltar a crescer a taxas maiores e sustentadas, remete a dimensão estrutural dos nossos problemas, que dificilmente, serão minimizados, apenas com discussões sobre taxa de juros, câmbio e ajuste fiscal – estas são políticas “meio”, devendo ser compatibilizadas com as políticas que possam alavancar o desenvolvimento numa perspectiva multidimensional.
Quando perguntado sobre o que havia ocorrido em nossa trajetória, o Mestre foi preciso:
“Hoje o Brasil tem uma renda dez vezes superior à renda da época em que comecei a refletir sobre o nosso subdesenvolvimento. Nem por isso diminuíram as desigualdades sociais; nem por isso fomos bem-sucedidos no combate à pobreza e à miséria. Cabe, pois, a pergunta: o Brasil se desenvolveu? A resposta, infelizmente, é não. O Brasil cresceu. Modernizou-se. Mas o verdadeiro desenvolvimento só ocorre quando beneficia o conjunto da sociedade, o que não se viu no país (Metamorfoses do Capitalismo, Texto lido na sessão solene de outorga do título de doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 2002).
Os indicadores do Censo de 2022, sobre a triste realidade de milhões de brasileiros, vivendo em condições precárias, relacionado com as contribuições deixadas por Furtado e extremamente atuais, nos faz refletir, qual o futuro que nos aguarda? Aliás, ele já chegou faz tempo, e não, da maneira mais bonita. O Mestre, sempre procurou sustentar, algum grau de otimismo em relação ao Brasil, revelado em Formação Econômica do Brasil (1959), A Pré Revolução Brasileira (1962), Dialética do Desenvolvimento (1964), livros que expressam sua utopia em relação ao país. Já, nos livros, O Mito do Desenvolvimento Econômico (1974), Criatividade e Dependência na Civilização Industrial (1978), faz uma revisão das suas ideias anteriores, sinalizando os inúmeros problemas decorrentes do aprofundamento do nosso subdesenvolvimento. Em 1992, no belíssimo livro Brasil: a construção interrompida, pede socorro e chama a atenção dos economistas sobre o caminho que passamos a seguir, no caso, sem muitas possibilidades de voltar atrás – “nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”. Nos últimos livros, antes de nos deixar, O Longo Amanhecer: reflexões sobre a formação do Brasil e Em Busca de Novo Modelo: reflexões sobre a crise contemporânea (2002), o Mestre apresenta dois grandes Manifestos, sugerindo várias linhas de pesquisa aos jovens economistas.
Olhando o Brasil de hoje, o Mestre, com toda certeza, estaria chamando atenção para os graves problemas estruturais: fome, pobreza, favelização, impactos ambientais, desigualdades regionais etc. Em tempo, chamaria a atenção também e principalmente dos economistas, para que os mesmos, retomem a importância da economia como ciência social, através de uma visão totalizante, pensando e agindo além do curto prazo.
Nada melhor do que encerrar com mais essa mensagem do Mestre:
“A responsabilidade dos homens de pensamento, cresce nas fases de rápidas transformações sociais. Torna-se possível, então, uma lúcida tomada de consciência dos grandes problemas sociais, abrindo-se para os trabalhadores do pensamento a oportunidade única de cooperar conscientemente no aperfeiçoamento da cultura e de contribuir para o desenvolvimento do homem como ser social” (A Pré Revolução Brasileira, 1962: p, 80).
Raphael Bicudo é professor e pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie.


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